quarta-feira, 16 de março de 2022

SE LIGA, MANO!

 EDITORIAL

Derrotar Bolsonaro e mudar a política de preços dos combustíveis

Afeito às bravatas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem precisado mais do que nunca delas para explicar aos brasileiros sua omissão ante a escalada inflacionária dos combustíveis no Brasil. Na quinta-feira (10), a Petrobras anunciou um mega reajuste no preço da gasolina (18,8%), do diesel (24,9%) e do gás de cozinha (16,1%).

Segundo a empresa, desta vez a causa foi a guerra na Ucrânia, que provocou uma acentuada alta na cotação do petróleo no mercado internacional. “O último reajuste foi necessário para manter o fornecimento por todas as empresas, mitigando riscos de desabastecimento”, completou a Petrobras, em vídeo divulgado nas redes sociais.

Sem a guerra, porém, o cenário não foi nada diferente. Conforme detalhou o Vermelho“só em 2021, a empresa teve um lucro líquido recorde de R$ 106,6 bilhões. Mas no mesmo período, enquanto a inflação oficial no País, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), foi de 10,06%, houve alta acumulada de 36,99% no gás de botijão, de 47,49% na gasolina e de 62,23% no etanol”.

Desde 2016, com a adoção do chamado “preço de paridade de importação” (PPI), a Petrobras tabela seus produtos de acordo com o “deus mercado”. Essa política, imposta ainda no governo Michel Temer (MDB), quando a empresa era chefiada pelo economista neoliberal Pedro Parente, estabelece dois gatilhos para ajustar o valor de venda dos combustíveis: as variações cambiais do real frente ao dólar e a cotação internacional do petróleo. Se um ou outro fator sai do controle, pobres dos nossos combustíveis – e de nós, consumidores: os aumentos são repassados de modo quase automático.

É possível aplicar, aqui, o conhecido provérbio espanhol “cria cuervos y te sacarán los ojos”. Mas, se os corvos da política de preços da Petrobras foram criados por Temer, são os olhos de Bolsonaro que estão prestes a serem arrancados. A popularidade do ex-presidente golpista já estava ao rés do chão quando, em maio de 2018, explodiu a greve dos caminhoneiros. Os efeitos da paralisação, como o desabastecimento de remédios e alimentos, forçaram o governo a flexibilizar a PPI. Para conter a crise, Temer defenestrou Pedro Parente, o litro do diesel na bomba ficou R$ 0,46 mais barato por 60 dias e os reajustes, até o fim daquela gestão, passaram a ser mensais.

Mas o atrelamento dos preços a fatores externos continuou sob o governo Bolsonaro, para a alegria dos acionistas da Petrobras e tristeza entre o povo. Enquanto punia os brasileiros com a inflação sem fim, Bolsonaro não parou de inventar desculpas e lançar evasivas sobre a situação. “Posso interferir na Petrobras? Vou responder a processo. O presidente da Petrobras vai acabar sendo preso”, mentiu ele, em outubro passado, numa entrevista chapa-branca à rádio Jovem Pan. “É uma estatal que, com todo respeito, só me dá dor de cabeça.”

Dor maior tem a população, que continua a pagar a conta de uma política de preços voltada aos interesses do capital. Com os combustíveis ainda mais caros, economistas ouvidos pelo Banco Central elevaram, pela nona vez seguida, a estimativa de inflação para 2022. Calcula-se que esse último reajuste nos preços da Petrobras pode responder, sozinho, por 0,8 ponto percentual a mais no IPCA anual. Assim, embora a meta central de inflação seja de 3,50% no ano, já se projeta que o IPCA pode fechar em 6,45%.

Do ponto de vista político, são mais notícias desagradáveis para o presidente Bolsonaro, já em campanha para tentar a reeleição, não sairá incólume. A aposta do governo nos pagamentos do Auxílio Brasil – um estelionato eleitoral – vinha surtindo efeito: pesquisas recentes apontaram uma ligeira recuperação na imagem do presidente, bem como nas intenções de voto. O impacto da alta dos combustíveis tende a implodir essa recuperação.

Pesquisa XP/Ipespe feita entre 7 e 9 de março – antes, portanto, do reajuste – indicava números um pouco mais favoráveis a Bolsonaro. Em três meses, sua rejeição caiu três pontos percentuais, enquanto sua aprovação cresceu quatro. Mas, conforme a mesma sondagem, 61% dos brasileiros veem a economia “no caminho errado” e nada menos que 96% afirmavam que a inflação e o preço dos produtos ou “aumentaram” ou “aumentaram muito”. Repita-se: essas eram as impressões da população antes da nova canetada da Petrobras. Na prática, muitas famílias ficaram desabastecidas não pelo risco de faltar gasolina, etanol ou gás de cozinha – mas pela incapacidade de comprá-los em virtude da inflação.

A possibilidade concreta de sofrer uma vexaminosa derrota no pleito de outubro – a primeira de um presidente brasileiro a disputar a reeleição – é o que leva Bolsonaro a falar agora, de modo oportunista, numa revisão da PPI da Petrobras. Outros pré-candidatos ao Planalto, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), já se comprometeram a, se eleitos, mudar essa nefasta política de preços. A esta altura, o discurso do “não posso interferir” não convence mais ninguém – apenas afaga o setor financeiro.

Desde o governo FHC (1995-2002), a Petrobras não é, rigorosamente, uma empresa estatal tradicional – mas, sim, uma sociedade de economia mista, com capital aberto. Suas ações passaram a ser negociadas, primeiro, na Bolsa de Valores de São Paulo e, depois, na Bolsa de Nova York. Mas, ao contrário do que apregoa Bolsonaro, o governo pode – e deve – interferir nos rumos da empresa de modo a mantê-la em sintonia com os interesses do país e não apenas de grupos empresariais.

A União é a principal acionista da Petrobras e indica a maioria de seus diretores. Bolsonaro, por exemplo, já nomeou dois presidentes para a empresa – o economista Roberto Castello Branco, em 2019, e o general Joaquim Silva e Luna, em 2021. “Eu sou o maior acionista da Petrobras”, declarou o próprio Bolsonaro, ao dar posse a Silva e Luna, num desses arroubos autoritários de quem confunde o público e o privado. “Agora o general vai chegar na Petrobras e vai fazer o trabalho que eu gostaria que fizesse”, arrematou. Ora, o que o presidente terá recomendado ao general, resultando em tamanha inflação e carestia?

Hoje ultraliberal e entreguista, Bolsonaro poderia revisitar talvez o único (e, mesmo assim, muito limitado) mérito de sua paupérrima trajetória parlamentar – o nacionalismo. A Petrobras serve cada vez menos aos brasileiros à medida que abraça mais e mais o mercado, com a privatização de refinarias, a desnacionalização acentuada pós-Lava Jato, o abandono do conteúdo local e a política de preços. A gestão bolsonarista não reverteu nenhum desses processos – e, em alguns casos, os acentuou. É preciso derrotar Bolsonaro e salvar a Petrobras, fazendo com que o petróleo novamente seja nosso – de todos os brasileiros.


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