PRIMEIRO CAPÍTULO DO LIVRO
'AS AVENTURAS DE MARLI SOARES E ADEMIR MOURÃO'
LOTÉRICA
Os veículos cruzavam a Coronel João Pessoa com a Zé Torquato
insistentes. Os transeuntes subiam a ladeira da rua do Banco do Brasil,
vociferantes para gastar o pouco que tinham no bolso. Bem verdade que haviam
aqueles que vinha para a feira só pelo prazer de ver o ruje-ruje da população
frenética vivendo o contemporâneo.
Incapaz de imaginar o que poderia acontecer naquela manhã,
‘seu’ Ademir Mourão, um natalense que resolveu morar na Serra do Camará,
residente na Cachoeira, fazia a sua ‘fezinha’ na lotérica, única lotérica da
cidade, em busca da riqueza. Lá vai ele todo sôfrego, manquitolando, seus 63
anos de idade não pedia mais do que isso.
Sentia dores enfadonhas por todo o corpo. Era portador de
doença crônica. A hipertensão lhe perseguia todos os dias por isso os remédios
doados pelo Governo desde a época de Lula não lhes saía da algibeira, que
carregava pendurada no braço, principalmente para guardar os documentos. E
assim entrou na lotérica, exatamente, 9 da manhã.
Ele não sabia que outros, também, haviam marcado para aquela
hora, 9 horas, um encontro inusitado. Na fila dos idosos apenas três pessoas
esperavam a vez de serem atendidos. Os box de atendimento todos protegidos por
vidros à prova de bala faziam a separação entre atendentes e clientes da
lotérica.
Ademir Mourão, mediana altura e já de idade avançada,
esperava o seu atendimento quando o dono da lotérica o avista e de pronto vai
direto para ele como quem não quer nada e suavemente fala ao ouvido do homem
que não acredita o que estava acontecendo. Era tudo tão simplório e ao mesmo
tempo exclusivo:
----- ‘Seu’ Ademir, me siga, tenho uma novidade para vc!
Quando o homem ultrapassa a gurita de atendimento e adentra
no compartimento sendo fechado bruscamente, porque o homem viu quando dois
indivíduos sobre o batente da lotérica de arma em punho. O medo começou a tomar
de conta do ressinto. ‘Seu’ Ademir que
já tinha sido supervisor de segurança de shopping, rápido se joga no chão, de
bruços.
Deitado no chão ele assisti a tudo, ouvindo os bandidos
imporem a sua ordenança com toda a ostensividade ditatorial. Foi assim, em
poucos minutos que ele levaram tudo que havia nos caixas da lotérica,
intimidando aos que estavam no interior da lotérica de forma grosseira, fazendo
com que o episódio jamais fosse esquecido.
----- Todo mundo para o chão, não quero nenhum pio, se por
acaso ver alguém olhando para mim vai levar bala na cara! Intimidou o
assaltante de peruca e uma máscara que escondia a face, ficando só os olhos em
descoberto. Quem tava na rua, porque a lotérica era aberta, começou a se
afastar das proximidades.
O segundo marginal, de botas de vaqueiro, de couro cru,
amarelada, um pé pequeno, se dirige ao caixa da lotérica com um trinta e oito
em punho, impondo todo o seu poderio de bandido e formula a seguinte pergunta
assim como quem não queria nada. A bota tinha uma fivela brilhante nas
laterais, coisa que parecia ter sido artesanal.
----- O ganhador da lotérica da semana passada já veio pegar
o dinheiro? Quase gritando.
De pronto, querendo responder ao bandido com a tranquilidade
que em nada era normal para João, o caixa, um rapaz jovem, mas eficiente em seu
trabalho, no desejo de continuar vivo, foi de súbito à resposta sem preâmbulos.
Era assustador, mas tinha que responder ao bandido para não despertar maiores
consequências.
----- Não! Ainda não veio!
Tudo aquilo acontecia em baixo do nariz de ‘seu’ Ademir e
ele não percebia nada de diferente que um assalto e que ele sem medo de ser
feliz tinha sido agraciado com esta situação, que mais parecia uma situação de
guerra, por isso mesmo, incólume continuava em seu reduto de opressão, no chão,
sem piar e nem se mexer.
Mesmo deitado, ‘seu’ Ademir ao ouvir a voz do bandido,
soliloquia: ‘Já ouvi esta voz em algum lugar’. Após um instante de reflexão e
buscando no seu HD descobre quem é o bandido que estava assaltando a lotérica.
E aquilo lhe deixa deveras preocupado. Ele sabia que era um policial que estava
assaltando a lotérica da cidade.
Com o rosto virado para a parede, ‘seu’ Ademir abre os olhos
e vê uma bolsa larga, grande, bem a sua frente, em baixo de uma escrivaninha e
aquilo passou desapercebido pelo homem que continuava em silêncio, pedindo a
Deus que os bandidos não adentrassem pela lotérica, para pegar mais dinheiro.
Isso lhe assustava porque poderia ser interpretado errado.
Entretanto, nada disso aconteceu, logo após que os bandidos
pegaram o dinheiro dos caixas, foram embora tão rápido, quanto haviam chegado e
assim se pode enfim sossegar a alma e o espírito, porque tudo tinha se passado
e dos males o maior foi levar o dinheiro, porque a vida de todos tinham sido
preservadas.
O dono da lotérica e sua careca suada aparecem calmas e
serenas, falando para os que estavam dentro da lotérica, apesar de que todos
estavam ainda tremendo igual a vara verde ao sabor do vento. Como se tudo fosse
algo a se esperar, o homem vai direto ao assunto, para dinamizar com o episódio
que seria em breve o assunto da cidade.
----- O pior já passou, fiquem tranquilos, a coisa vai
correr natural, vou chamar a polícia para fazer o BO. Só gostaria que os que
aqui estão não saiam. Preciso de vcs mais do que nunca para registrar este
ocorrido tão medonho. A gente nunca espera quando vai acontecer, entretanto
somos preparados para um dia como este. Tá certo?
‘Seu’ Ademir, já de pé sacudia a poeira do chão da lotérica,
trêmulo, capaz de impor um certo receio nas pessoas, principalmente por ser
portador de doença crônica. Ele tinha hipertenção e uma hérnia intestinal que
sem qualquer preâmbulos dava para viver normalmente, com a ajuda dos remédios
que tomava pela manhã e à noite.
----- Fique aí, não saia ainda, quero lhe falar! Disse o dono
da lotérica. João ligue à polícia, enquanto acerto as contas com ‘seu’ Moacir,
só pode ser ele. Vamos verificar isso e depois então voltaremos ao normal. Já
chega de notícia triste, a gente precisa de um fato que pode trazer,
principalmente para nós, uma alegria grande!
Contemporaniza Moacir, que pela primeira vez sorrir ao
encaminhar-se na direção de ‘seu’ Ademir Mourão. Para ele existia alguma coisa
inusitada que poderia direcionar os próximos passos dessa história. Foi assim,
com aquele olhar de desconfiança que ouviu do dono da lotérica a seguinte
indagação que lhes deixou absorto.
----- Vamos começar do começo! Sei que vai parecer indigesto
a forma como o senhor vai saber de nossa indagação, entretanto é preciso que
saibamos se o amigo já fez a conferência dos número do último sorteio, em
especial, o da semana passada, porque eu tenho quase certeza que o amigo é o
grande ganhador.
----- Eu!!!!
----- Sim, vc!
----- Deixe ver, acho que a poolle deve estar na minha
carteira. Sempre guardo todas elas para um dia conferir, sempre com aquela
tranquilidade de idoso, não sou mais o mesmo de antigamente, apesar de sempre
querer ser um jovem, né verdade, meu amigo. Não é bom ficar velho. É dor aqui,
ali, enfim, a gente tem que superar tudo com muita força de vontade.
Enquanto abria a carteira, Moacir olha ao redor,
principalmente para fora, sentindo que estava tudo tranquilo. Primeiro, só ele
e ‘seu’ Ademir conversavam com a proteção dos vidros que separava caixas e
clientes; segundo, as pessoas que tinham visto o assalto permaneciam dentro do
ressinto e por fim pegou a poolle e olha em silêncio.
Faz aquele suspense e vai direto ao ouvido de ‘seu’ Ademir.
----- Não quero que vc grite, nem faça qualquer pantim para
despertar nas pessoas que aqui estão possam sentir ou ver que foi vc que ganhou
o último sorteio, seja discreto, tá vendo aquela bolsa preta, tem uma parcela
do seu prêmio, para vc ir se preparando para a grande realidade. Vc é rico!
E continua a falar com a suavidade de quem já está
acostumado a dizer o que estava dizendo, para vencedores de sorteios de jogos
da Caixa Econômica Federal.
----- Não esqueça da lotérica, queremos que vc deixe uma
lembrança para nós que fomos os seus intermediários para se transformar no
homem que vc passa a ser dentro do contexto e, na sociedade do município. Olhe
lá heim! Esse pouco que tem aí é somente para vc se divertir durante o dia de
hj. Sei que a surpresa é grande, mas é alvissareira e faça bom proveito. Quando
puder, vá na Caixa Econômica, aconselho a não contar para ninguém.
----- Só me diga quanto é que tem dentro da bolsa?
O dono da lotérica abre a mão esquerda com os cinco dedos
estendidos, gatimonhas que davam entender um cinco, mas, na verdade havia
quinhentos mil reais, só faltava ele exemplificar os zeros, por isso mesmo ‘seu
Ademir auferiu com outra gatimonha, ele abriu os braços com a palma das mãos
para cima.
Com a imprecação o homem vai direto nos ouvidos de ‘seu’
Ademir e diz como se quisesse participar da felicidade do ganhador. Antes de
falar, olha para os lados, vê os caixas, todos absortos na conversa ali ao
lado, e por fim olha para fora, vê chegar na rua, do outro lado, o carro da
polícia e se apressa na confabulação.
----- Quinhentos mil!
----- Quanto vc quer, com quanto vc fica satisfeito. Não
quero que faças cerimônias, preciso lhes agradecer pela lembrança da
conferência da poolle. Tá certo!?
----- Deixe para nós uns dez mil, tá bom demais. Nós aqui
temos que servir bem, entretanto, com o respaldo do senhor, faço minhas as suas
palavras, não se acanhe, quem vai decidir a quantia é vc mesmo!
Desta forma ‘seu’ Ademir Mourão se abaixa, puxa o flexe-clair
da bolsa, retira um pacote e pergunta. Os olhos de ‘seu’ Ademir brilhavam de
tamanha satisfação. Até parecia um sonho que estava acontecendo, e ele estava
quase pedindo para darem-lhe um beliscão.
----- Quanto tem neste pacote?
----- Quinze mil!
----- Vou deixar aqui de lado! Pode ficar com tudo! Mas, me
diga quanto eu ganhei. ‘Seu’ Ademir estava extremamente ansioso para saber
quanto tinha ganhado?
----- Mais de 11.000.000,00 um pouco!
----- My Good, vou tentar me conter, mas uma coisa sei que
farei agora, antes de ir para casa. Não quero perder a oportunidade de dar um
presente para mim. Depois vejo o que vou fazer com o restante do dinheiro.
Amigo, pode ser que vc não me veja mais aqui, para fazer jogos na lotérica,
entretanto, fica aqui a minha saudades de vc para o resto da vida.
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